Erwin Wurm | O Corpo é a Casa

CCBB São Paulo, SP; Rio de Janeiro, RJ; Belo Horizonte, MG; Brasília, DF

2017

Produção Executiva

Curadoria: Marcello Dantas

Erwin Wurm é um artista que faz as pessoas gostarem de arte. Ele evoca uma dose de humor e irreverência que são universais e, em primeiro nível, muito acessíveis. A articulação de seu pensamento, fortemente original, com uma estética da banalidade é algo que fascina a todos. Ao nos aproximarmos da superficialidade evidente de Erwin Wurm, descobrimos uma dimensão que gera um desconcerto diante do sorriso inicial: algo se inverte por trás de um certo conforto conhecido inicial. Wurm é como uma mosca na sopa da sua mãe.

 

Ele é primordialmente um escultor que apresenta uma narrativa do cotidiano transformado pelo potencial da tridimensionalidade. O artista inglês Antony Gormley uma vez disse que a verdadeira matéria-prima da escultura é a energia, o calor necessário para modificar um material até que ele chegue ao estado da arte. Ou seja: de nada vale roubar uma escultura em bronze, pois seu valor está não em sua matéria física, mas na emanação da energia (medida em calorias) do forno que a esculpiu. Metaforicamente, pode-se entender que a mesma energia que esculpe um bronze ou um ferro é a energia que esculpe nossos corpos. A caloria que nos faz ganhar ou perder peso é a mesma força que briga com as formas da escultura. Você é o escultor do seu corpo; corpo é obra, obra é corpo. Wurm confere um novo sentido ao papel do corpo na arte, passando a dar materialidade a coisas que não a tinham: transforma o carro, a salsicha, o pepino e a casa em matéria escultórica e lhes imprime uma dimensão simbólica, de nosso tempo, em que o banal é objeto de apreciação constante e o tédio pode ser cultuado.

 

Com Wurm, a dieta passa a ter uma dimensão de exercício da fé contemporânea. “A dieta”, diz ele, “é como uma filosofia que faz parte de nosso cotidiano: ela possui, de um lado, um aspecto físico, e, de outro, uma dimensão espiritual”. Essa ambiguidade faz com que seja possível se referir tanto à dieta do consumismo quanto à dieta de alimentos: ambas revelam uma existência dentro da dimensão do excesso, e, como diria William Blake “a estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria (O matrimônio do céu e do inferno, 1793).

 

O corpo é o objeto de trabalho constante na história da arte. Da performance aos happenings, o corpo do artista se fez como obra. Outros artistas, porém, assimilaram o corpo do público em seus trabalhos, notadamente Robert Morris em sua Bodyspacemotionthings, de 1971, exibida na Tate Gallery, em Londres. Wurm, por sua vez, foi além e criou um verdadeiro glossário da participação espontânea do público na encarnação da obra. Muito antes da ideia de interatividade, das redes sociais e da epidemia de selfies, Wurm criava algo que seria uma simulação de um comportamento que ainda nem se anunciava. Desde o fim dos anos 1980, ele começou a série One Minute Sculptures, que se tornou emblemática, prenunciando o comportamento irreverente e autorreferencial que a Internet iria popularizar. As One Minute Sculptures estenderam o conceito de ready-made, criando algo como o post-made, o “pós-feito” da era da antecipação, em que tudo se consome cru, e até mesmo a obra de arte passa a existir como receita e não mais como prato.

 

Outra dimensão da obra de Wurm é sua intervenção sobre a arquitetura, segundo ele, uma arte difícil de esconder. Ele passou a criar obras que começaram a intervir sobre edifícios icônicos e a transformar a expressão desses prédios em algo desconcertante: uma casa plantada de cabeça para baixo no teto de um museu, ou como no caso da obra “Fachada”, feita no Brasil, na qual os móveis escapam pelas paredes e janelas do edifício, criando o interior no exterior.  “No mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso”, como afirmava Guy Debord (A sociedade do espetáculo, 1967).

 

O grande trunfo de Erwin Wurm é existir dentro de um território, muitas vezes cínico, da arte contemporânea com uma obra que consegue ser crítica, sem deixar de ser acessível, que consegue subverter, sem deixar de captar o público para uma dimensão reflexiva e, ao mesmo tempo, divertida e inclusiva. Essa capacidade de se entregar generosamente, sem ser piegas nem ingênuo, é um traço raro no mundo contemporâneo. Ele vai revelando as camadas de seus trabalhos aos olhares mais atentos, sem perder o contato inicial com aqueles que navegam de forma mais superficial. Wurm é um pescador do olhar, jamais perdendo de vista a inoculação da mente com o vírus da incerteza daquilo que nos faz duvidar do que nossos olhos veem.