OiR – Outras Ideias para o Rio
OiR – Outras Ideias para o Rio
Rio de Janeiro
2017
Produção Executiva
Curadoria: Marcello Dantas
“O que torna esse mundo tão difícil de entender não é sua peculiaridade, mas a familiaridade que temoscom ele. A familiaridade também pode fazer com que deixemos de discernir as coisas” (Robert M. Pirsig).
O olhar do outro moldou a cultura brasileira através dos tempos. O que teria sidode nossa arte sem nomes como Pierre Verger, Marcel Gautherot, Jean-Baptiste Debret, Albert Eckhout? O projeto Outras Ideias tem como principal característica conectarsensibilidades inéditas no repertório brasileiro e possibilitar contato com novas ideias e pontos de vista que nos ofereçam outras fontes de inspiração. A proposta é semear a criatividade dos artistas no espaço público e oferecer uma conexão com essas outraspoéticas. O ponto de partida dessa exposição é reunir duas das mais intrigantes mentes emergentes no cenário da arte contemporânea internacional para que, lado a lado, articulem suas ideias sobre o tempo, a memória e a transformação. O local escolhido foi o Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, por suas razões históricas e pela sua condição de monumento natural e artificial ao mesmo tempo. Um espaçocriado pelo homem no meio de uma paisagem natural fascinante.
Azuma Makoto criou uma forma de arte muito singular, que explora o efêmerodas plantas e flores levadas aos mais variados contextos geográficos. Já Daniel Arsham elabora a simulação do presente projetado no futuro na forma de ruína. Essediálogo – que nos confunde entre o que ainda vive, mas já está em decomposição e o que ainda não existe, mas já é ruína – é, em si, uma metáfora forte de nossos tempos. Ambos miraram na filosofia budista para oferecer outra via de inspiração e apresentaralgo de novo no contexto ocidental fortemente saturado de velhas ideias e tabus.
O artista japonês Azuma Makoto possui uma obra que é desenvolvida com flores e experiências com botânica, levando-as aos limites do planeta e desafiando a tradição japonesa dos ikebanas e bonsais a uma leitura radicalmente contemporânea, tecnológica e, ao mesmo tempo, humanista. Na exposição, ele apresenta duasexperiências sobre a decomposição. Em uma delas, cria um jardim de flores de corte, intitulado “Gaibu – Fora”, que entrará em decomposição ao ar livre diante dos olhos dos passantes do Aterro do Flamengo, em uma espécie de agricultura reversa, na qual as plantas não são plantadas para crescerem, mas para morrerem e, com isso, geraremmais vida. A mudança de paradigma se dá na possibilidade de se observar a beleza da decomposição de um jardim como uma das expressões da natureza. No Japão, háuma expressão artística chamada kusouzu, que diz respeito à interpretação pictórica da decomposição como narrativa final da transcendência humana e da natureza. Na fébudista, a contemplação da morte é conhecida como maranasati, a qual envolvenove estágios de decomposição, e sua contemplação é reconhecida como uma parteintegral da meditação. Ela pode ser vista de duas formas: uma focada na valorização e apreciação da impermanência de nossas vidas, e a outra no ensaio para a morte – aonos familiarizarmos com a morte, nos preparamos para que não tenhamos medoquando a hora chegar. Ao olhar para a flor, uma das mais belas manifestações da natureza, e nos permitirmos observar sua transformação e decomposição, estamosentendendo a transitoriedade da matéria da qual somos feitos e aprendendo que apreciar essa passagem do tempo é algo essencial. No Ocidente talvez tenhamostabus quanto a isso, mas no Oriente isso já se ilumina como sabedoria.
No espaço interno do Oi Futuro, “Naibu – Dentro” é uma grande instalação, que nos permitirá acompanhar o processo de decomposição das flores em detalhe, porémenvolvido em uma grande caixa de vidro. Essa opção pelo condicionamento da belezada flor em transformação, da pujança da vida até a liquidificação de sua corporeidade, entra em diálogo com a ideia fundamental da história da arte que é a Natureza Morta – só que, dessa vez, não mais como uma interpretação, mas como uma vivência natural, em tempo real. Aprendemos desde cedo a evitar ver, tocar e sentir a morte e a decomposição de qualquer ser vivo, e nos deixarmos vivenciar isso é uma rara oportunidade de transcendência.
O olhar daltônico de Daniel Arsham explora o jogo da ilusão em sua obra repletade códigos, que começam por seus tons monocromáticos, e se ampliam pela criaçãode objetos encobertos por paredes e uma coleção de personagens em busca de um autor. No Aterro do Flamengo, Arsham observa com sua distância cultural o karesansui, a arte budista dos jardins zen japoneses. Ele propõe projetar no futuro um sítio arqueológico sobre nosso tempo presente, no qual diferentes camadas de conhecimento e contaminação se sobrepõem. Sugere ainda que olhemos nossasociedade estruturada nos objetos de consumo, mas contextualizada pela permanênciada sabedoria zen de que algo existe quando está sendo construído e vivido ao mesmotempo. A obra, intitulada “Jardim Zen do Futuro”, é um jardim japonês que surge no meio da paisagem do Rio. Onde deveriam estar as pedras, encontramos objetos de nosso cotidiano petrificados, que funcionam como uma espécie expressão geológica, em diálogo com a monumentalidade da expressão geológica do Pão de Açúcar que está solene logo em frente, criando o equilíbrio insólito desse jardim. A composição das pedras em um jardim zen é uma arte sublime, que passa despercebida aos leigos. A disposição das pedras sobre o espaço lhe confere identidade e potencial filosófico. O tempo da meditação traz, no presente, o passado e o futuro. Essas múltiplas camadasentre natureza, paisagem criada pelo homem e espaço meditativo da obra abrem aoportunidade de o visitante descobrir o espaço a ocupar entre o simbólico e o natural, entre o artificial e o meditativo.
O mais sábio aprendizado do conhecimento budista e da cultura japonesa é entender que o objeto a ser preservado é o saber. A materialidade é transitória, mas o conhecimento e a consciência são a essência de uma cultura. Nesse encontro entre composição, decomposição e recomposição, entre Oriente e Ocidente, surge aoportunidade de acharmos uma nova via para nos entendermos melhor e, talvez, nosesquecermos em que ano estamos.
“Eu faço, desfaço e refaço” – Louise Bourgeois